sexta-feira, 17 de agosto de 2012

n.2 - ago/2012: Fecundidade, educação e justiça social

Veja como é difícil interpretar as relações entre população e desenvolvimento quando a única informação disponível para análise é a relação entre crescimento populacional total com todas as demais variáveis. No texto anterior não mencionei o incentivo à políticas pró-natalistas, ou seja, de incentivo ao aumento da natalidade. Entretanto, ao me referir à necessidade absoluta de reduzir as desigualdades sociais via educação - dado que a população mais pobre ainda apresenta taxas de fecundidade acima do nível de reposição - algumas pessoas podem ter interpretado dessa maneira o meu argumento final. Não pretendo neste espaço criar um fórum de réplicas e tréplicas infindáveis, pois não estamos em um debate televisivo pré-eleitoral, mas como a sequência que eu havia planejado para o texto anterior iria abordar essa questão, achei conveniente mencionar.

Vejamos, a taxa de fecundidade no Brasil já está abaixo do nível de reposição, como mencionei anteriormente, mas ainda existem desigualdades (embora cada vez menores) quando comparamos as taxas entre estratos sociais, regiões e outras características da população. Uma delas é a condição socioeconômica que, no texto anterior, se baseava na reportagem do Jornal O Globo. Ora, se a população mais pobre ainda apresenta taxas de fecundidade acima do nível de reposição, uma das consequências futuras é uma concentração maior da renda, se não houverem políticas sociais adequadas. Pois, casais ricos, transfeririam a sua renda para apenas um filho (já que a taxa de fecundidade entre os mais ricos é de 1 filho por mulher). Enquanto, os mais pobres tenderiam a continuar em situação desfavorável.

Outro ponto importante é a argumentação final do texto anterior. Independentemente do que fizermos, o crescimento demográfico brasileiro hoje aponta para um cenário de estabilização do crescimento muito próximo (veja as projeções do IBGE) e, em breve, um crescimento negativo. Se por um lado isso apresenta um desafio enorme para a saúde e previdência, por outro, torna-se uma oportunidade para a educação. Mas por que? Desde os anos 1960 e 1970, o Brasil já vem iniciando esse processo de redução das taxas de fecundidade. E qual é o primeiro impacto dessa transição? A redução do número de crianças. Embora a população total ainda continue crescendo, a distribuição relativa por idades mudou substantivamente nos ultimos 50 anos!

Vejamos: Em 1970 aproximadamente um em cada quatro brasileiros (24%) tinham entre 6 e 14 anos de idade. O que seria a idade das crianças que deveriam estar frequentando o ensino fundamental. Os dados de 2010 revelaram que essa proporção mudou muito. Aproximadamente, uma em cada sete pessoas (15,3%) no país tinham entre 6 e 14 anos no ano de 2010. Considerando que a população mais pobre é aquela que mais depende do ensino público, se esse ensino não investir em melhoria de qualidade teremos no futuro um gargalo social muito maior, pois se a desigualdade nas taxas de fecundidade concentram a riqueza, teremos poucos jovens com acesso a uma educação realmente qualificada para que se permita retardar o dilema do sistema previdenciário via aumento da produtividade econômica.

Enfim, não é uma questão de quantidade (portanto, não adiantaria incentivar a natalidade dos mais pobres como sugerido em um comentário ao texto anterior), mas sim da melhoria da qualidade da educação para potencialmente reduzir a pobreza e as desigualdades sociais. Coisa que é hoje muito viável, pois desde os dados do Censo de 1991, a população de 6 a 14 anos tem diminuido em termos absolutos e não apenas proporcionais. Passamos de 31 milhões de crianças para 29,2 milhões em 2010 e a tendência é que esses números diminuam ainda mais (segundo as projeções, serão 17,5 milhões em 2050). Mais escolas? Talvez em algumas regiões ainda seja necessário cobrir as lacunas deixadas por décadas de descaso em investimentos na educação, mas o que se desenha no presente o para o futuro é que muitas escolas de ensino fundamental vão fechar por falta de alunos. Em vésperas de eleições municipais, preste atenção nas propostas, vale mais o candidato que propuser investimentos em qualificação da educação, pois aquele que prometer contruir escolas, no mínimo, está muito mal assessorado. Pense nisso...

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Professsor Ojima, concordo com seus argumentos no texto sobre a transição demográfica e seus vários impactos inclusive na previdência, porém se me permite ressaltar, tem autores que têm argumentado que a questão da previdência, não pode ser entendida fora do tripé da seguridade social (saúde, assistência social e previdência), nesse caso pelo aporte de recursos que conta ela nao seria deficitária, pois a constituição já garante a destinação de percentual dos impostos e contribuições para cobrir a seguridade social, além disso se considerarmos que mais de 40 % do orçamento público vai para o pagamento de juros da questionada divida pública impedindo maior investimento em cobertura social, nao seria razóavel culpar os idosos e seu crescimento pela crise da previdência ou por agravar sua situação no BRasil.

Ricardo Ojima disse...

Caro Prof Neilson, em momento algum houve atribuição de "culpa" aos idosos. Trata-se de um desafio que será enfrentado (a despeito de qualquer norma constitucional) devido ao processo de envelhecimento populacional. O sistema de repartição simples que fundamenta a previdência social brasileira foi pensada para uma estrutura etária jovem e por essa razão não se sustentará no médio prazo. Esse fato, deixa claro que poucas vezes as políticas sociais levam em consideração a dinâmica demográfica que poderia antecipar problemas. Se continuarmos pensando que a mudança na estrutura etária não irá causar desafios adicionais às políticas sociais, aí sim os problemas serão insolúveis. Afinal, com uma população envelhecida também teremos mais gastos com saúde. Tema que será abordado em textos futuros.

Anônimo disse...

Prof. Ojima, concordo plenamente sobre as consequências que as transformações na estrutura etária terão sobre variados aspectos, inclusive sobre a previdência e a saúde. Também concordo que devemos ter em conta essas mudanças da população na gestão e planejamento no setor público e privado. O que as vezes temo é um viés, não sei se poderia chamar assim (estou certo que isto não está presente em seu texto) neomalthusiano. Temo as vezes se possa passar a idéia de uma análise estritamente demográfica de algumas questões, que creio envolvem também outros aspectos. Não foi minha intenção polemizar, apenas demonstrar interesse pela temática. Aproveito para te felicitar pelo blog, que aborda questões tão interessantes.

Ricardo Ojima disse...

Caro Neilson,

Concordo que a questão não se resume à população, mas geralmente as políticas públicas não incorporam as questões demográficas. E quando o fazem, quase sempre é a partir de uma visão simplificada sobre o crescimento absoluto, sem refletir sobre as demais variáveis demográficas. É um pouco esse o espírito do blog: trazer ao debate questões demográficas que não são exploradas, sobretudo, nas políticas. Agradeço o interesse e não vejo de forma alguma sua intervenção como um problema, estou a levantar questões polêmicas, portanto, esperado é que cause reações. Espero que continue acompanhando o blog e também contribuindo com críticas e debates, pois é esse o desafio colocado. Seguimos... Abraço...